Antes de começar a debater um pouco das questões econômicas (deixadas de lado, vale destacar) envolvidas no tema deste post, gostaria de salientar que tentarei resumir, enxugar, ao máximo o conteúdo, visto que per se trata-se de uma questão bem ampla. Então, qualquer dúvida ou crítica a alguma passagem do texto, por favor, peço que deixe de forma clara e educada nos comentários que tentarei esclarecê-las dentro de minha perspectiva do assunto.
Dito isto, vamos ao que interessa!
- Campanha #PreçoJusto, por Felipe Neto (@felipeneto).
Na madrugada entre esta quarta-feira (27) e quinta-feira (28), estourou no Twitter (ou pelo menos na minha timeline) vários tweets com a hashtag #PrecoJusto pedindo apoio à campanha homônima. Procurando a fonte dessa campanha, acabei encontrando o vídeo responsável por toda essa movimentação no microblog.
Minha primeira impressão foi exatamente a que o blog Mais de Oito Mil iniciou sua postagem sobre o assunto: que "porra" é essa?! Devo destacar que a exclamação não foi (apenas) acerca do conteúdo discutido, mas a forma que se buscou tansmitir a mensagem. Mas enfim, este é o fator de menor importância no decorrer do post.
Mas, do que se trata a tal Campanha do Preço Justo? Segundo o site oficial, "tem o objetivo de enviar para Brasília a nossa insatisfação e revolta. Nele, basta você assinar com seu nome, email e CPF que nós tomaremos todas as medidas necessárias para que enxerguem nossa manifestação e, assim, possamos sair da Internet para conseguirmos uma lei". Ou seja, ao menos nessa primeira parte, não há proposta alguma sendo esclarecida ao público, muito menos indicando quais medidas estão sendo defendidas. Então, como saber se o manifesto é do seu interesse? E, além disso, informar TODOS os seus dados (afinal, é isso que o CPF contém) como pessoa física sem que o site seja, pelo menos, reconhecido como seguro pelo navegador? Não, obrigado.
Mais especificamente, pretende-se barganhar uma espécie de isenção fiscal (não cobrança de tributos) sobre "produtos de mídia e eletrônicos como DVD’s, BluRays, Videogames, Jogos, iPads, iPhones, iPods e tantos outros exemplos". É isso que a campanha chama de "informação sem imposto". Mas algo me parece errado: nenhum dos ítens citados podem ser considerados como produtos "de base" (ou necessários) para se conseguir informação, no sentido mais rigoroso da palavra. Todos aqueles bens fazem parte da categoria "produtos de luxo". Aliás, DVDs e BRs, que talvez não possam entrar nesta última categoria, são bastante acessíveis até para as classes menos favorecidas, onde a parcela cabe no orçamento sem grandes problemas... e eis de onde veio um dos problemas recentes com a inflação.
Agora vamos esclarecer algumas coisas não ligadas aos tributos, por ora. Primeiro, é sabido que o "garoto propaganda" da campanha é patrocinado por algumas empresas. Como pode ser visto no blog ImprenÇa, e no próprio site do #PreçoJusto, há um jornal eletrônico destinado apenas a notícias para Ipad por trás da campanha. E isto já diz MUITO sobre o movimento em si. Segundo, já existe uma lei de incentivos a produtos de informática, conhecida como Lei da Informática, aprovada em 2004 para perdurar por 15 anos, ou seja, até 2019! E a abstenção de tributos (federais) sobre esses ítens chega a até 95% do valor que seria pago. Quem não tiver paciência para ler a lei em si, sugiro este e este sites para uma boa compreesão do que ela trata.
Por último, temos ainda o locus político que esta campanha atinge: a classe média. Esta diretriz fica óbvia ao se observar que os ítens de "acesso às informações" não são aqueles tradicionais (computadores, notebooks, internet banda larga etc.), mas o desejo de consumo da classe média brasileira que "rala" para poder comprá-los, diferentemente da classe baixa que não tem condições para tal ou dos ricos, para quem o valor destes produtos são irrisórios. E isto é importante? Sim, afinal, o Governo vai querer favorecer à classe média em detrimento dos pobres?
Contudo, devo deixar claro que considero importante a manifestação social por um motivo comum, desde que objetive-se um bem maior para a população brasileira e não apenas para um nicho, quer social ou empresarial.
- Teoria Econômica da Tributação, por Diamond e Mirrlees
Há poucos dias, curiosamente, o polêmico economista Paul Krugman publicou no blog do Estadão uma opinião que considerei acertada, mas que nunca pensaria em citá-la em algum texto. Pensei errado. Para iniciar a discussão sobre impostos e contribuições é importante que tenhamos em mente que "eles [os tributos] não existem principalmente como maneira de induzir um menor consumo privado, embora às vezes tenham esse efeito; eles estão aí para assegurar a solvência do governo".
Dado este esclarecimento e considerando que o fato da existência de financiamento de um governo, per se, gera distorções no sistema econômico, reduzindo-se a eficiência, deixe-me esclarecer a base do modelo teórico sobre tributação ótima. De acordo com o modelo de D&M, a "estrutura de tributação ótima resultante é aquela em que os bens consumido de forma intensiva pelos agentes mais pobres devem ter uma redução prporcional na demanda menor que a média ... devido ao grau de preocupação da sociedade com os agentes mais pobres e às diferenças entre os padrões de consumo entre ricos e pobres". Sintetizando, os bens mais consumidos pelas famílias de baixa renda devem ser tributados menos intensamente e, por analogia, os bens de luxo (e ainda aqueles de menor sensibilidade aos preços) devem ser tributados de modo mais intenso.
Se os tributos não incidirem sobre o consumo mais supérfulo, sobre o que Governo deve coletar sua receita? Tributando a cesta básica?! Acredito que não.
- Noções de Financiamento Público
A Constituição brasileira em vigor define as competências tributárias para cada ente da federação do Brasil (união, estados, Distrito Federal e municípios), bem como a "dependência tributária" hierárquica de cada um desses entes. Assim, é importante saber quem tributa o quê, e quem fica com a receita de determinado tributo.
Partindo da hierarquia máxima, temos a União. Este ente é responsável pela arrecadação do Imposto de Renda (IR), do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), dos Impostos de Importação (II) e de Exportação (IE), do Imposto sobre Território Rural, (ITR) da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL), da COFINS e do PIS/PASEP.
Como já dito anteriormente, a "Lei da Informática", em média, reduz a receita do IPI, PIS, PASEP e COFINS em mais de 80%. Nesse sentido, temos ainda que a União é obrigada a repassar 44% do IPI e 44% do IR para estados (21,5%) e municípios (22,5%), bem como o ITR é repassado integralmente a estes entes (50% para cada), enquanto que parte do IOF (70% do IOF-Ouro) é repassado apenas para os municípios.
De forma análoga, os Estados são responsáveis pela arrecadação do ITBD, do ICMS e do IPVA, tendo por obrigação repassar aos municípios 25% do ICMS, 50% do IPVA e 25% do IPI referente à exportação recebido da União. Já os municípios têm competência de arrecadação do IPTU, do ISS e do ITBI.
Esta seção tem por objetivo mostrar que uma desoneração tributária em setores cujos produtos podem ser considerados de baixa necessidade acarretará fenômenos em cascata, prejudicando o desempenho (muitas vezes já precário) de estados e municípios. E isto se refletirá na oferta dos serviços públicos diretos, como saúde, educação, assistencialismo, segurança, transporte, abastecimento de água e esgoto, além dos investimentos em infraestrutura, qualidade de trabalho interno do setor público, e flexibilidade em dar incentivos aos setores realmente importantes.
- Comentários Finais
Em economia há sempre uma escolha a ser feita (trade-off), geralmente rondando entre a eficiência e a equidade. Para conseguirmos isentar certos produtos de tributos há a necessidade de se procurar outra fonte de financiamento para o setor público. Mas será que essa nova "fonte de renda" do Governo é socialmente aceita?
Esta campanha é a melhor solução? Ao invés de uma manifestação que levará assinaturas eletrônicas para tão longe do espaço político de atuação de cada cidadão, porque não incentivar a cobrança de mais e melhores ofertas de bens públicos, garantidos pela lei-mor do país? Instrumentos nós temos: o pagamento de impostos e de taxas de serviços públicos, bem como a liberdade de escolha de nossos líderes graças à democracia.
Contudo, se após tudo aqui discutido o desejo de reivindicação ainda for o mesmo, deixo de lembrança uma frase famosa entre os estudantes, professores e pesquisadores em economia do setor público e que resume todo esse post:
"Não existe almoço grátis".